quinta-feira, 8 de outubro de 2015


Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro - a cadeira, a mesa, a cama. Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o grito do mundo (H. Muller)


hoje é aniversário daquele dia em que você disse que ligaria o gás, e que teríamos de ficar segurando fósforos na boca como prova de amor. lembra? você, tirando toda a roupa, com o sangue escorrendo entre as pernas. gargalhando. e eu suplicando - não, não, por favor, não vamos enlouquecer assim tão rápido, vamos voltar pra cama.
e então você começou a gargalhar mais, dizendo - sério que você continua achando que meu corpo é um templo e o seu também? olha bem pra mim e me diga você acha que isso é sagrado? e então você cuspiu em mim. e eu ri também, dizendo que era isso mesmo, como pude ser tão otária, - ei você está perdendo o jogo, os fósforos escaparam da sua boca!
e aí também fez aniversário de quando você se agachou pra pegar os fósforos, e eu te agarrei por trás gargalhando e te chamando de gostosa. e aí escorregamos naquela sujeira toda que estava a cozinha, de sangue de álcool e de nem me lembro mais o quê, mas isso não é importante, o que me lembro mesmo era da gente escorregando lá, sem roupa nenhuma, como as crianças brincam no sabão quando a mãe lava a casa.
aí eu comecei a chorar, porque lembrei da minha mãe lavando a casa e se ela nos visse naquela situação agora ficaria muito, muito triste e até culpada afinal como ela pôde deixar que eu chegasse a esse ponto. aí você chorou também, porque disse que na sua família todo mundo já era bem insano quando você nasceu, e que uma vez até você tentou enfiar a navalha na coxa do seu tio, mas que só pegou de raspão.
aí aquele sangue todo em sua coxa fez um novo sentido em mim e você percebeu porque senão não teria começado a chorar também. e aí você se levantou e gritou bem alto MEU CORPO É UM TEMPLO SIM, e correu pela casa toda gritando que seu corpo era um templo sim e o meu também. e eu também me levantei, de um jeito muito sério e com uma dificuldade imensa pra respirar, e segurei suas bochechas com uma das minhas mãos. com a outra, cobri em concha sua vagina com muito cuidado e muito amor, e em tom muito solene disse: - vamos fechar a janela, porque tem um cara olhando a gente.

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