domingo, 23 de maio de 2010

... e então você me disse, naquele seu ímpeto furioso e petulante, que não acreditava mais em nada e já tinha desistido e engolia sua bebida com uma pressa urgente e desesperada.e eu fiquei urgente e desesperada, não porque eu queria te segurar e embalar e acariciar, mas porque precisava te pegar pelos cabelos e esfolar sua cara no asfalto quente e derretido, soluçando não é assim, não é assim não é assim você sabe que eu sei que você sabe que está mentindo. e não é pra você chafurdar no meu discurso pronto de quando me perguntam qualquer coisa e a resposta é a mesma coisa, eu quero que você segure minha mão apertado dizendo é por aqui, é por aqui, com olhos de criança quando faz arte e aí eu finjo que acho que é perigoso, mas você me convence e me atropela as palavras que vão se sufocando e se perdendo num túnel que também desaparece quando antes de você dizer por favor eu já disse tudo bem. não mente pra mim, não mente assim que eu me descontrolo e concluo que tudo era mentira, e aí eu penso na mentira e concluo de novo que tudo tá errado, e também passo a achar que não dá pra acreditar mais em nada. e eu já tenho vontade de parar por aqui, porque tenho medo de onde isso vai parar e já sinto que jajá o pouco de sentido que tinha foi engolido junto com as vírgulas que esqueci de pôr porque é com urgência que eu te faço esse rabisco pra pregar num lugar que você veja antes que eu volte a parecer impassível, controlada e passe a entender tudo o que aconteceu. e aí se eu entender, tudo vira abóbora. eu não 'tenho que'nada, você entende? tomara que não entenda, porque se não houver desentendimento não tem a gente e nem mais nada e nem mais sei lá o quê, porque se eu disser tudo daí não tem mais sentido algum eu querer te escrever pedindo pra voltarmos a perder o sentido e...

... e numa freada busca, o ônibus fez com que o descuidado papelzinho voasse janela afora.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

sim, eu fugi de você. fugi como se tivesse alergia à abelhas, e havia acabado de roubar todo o mel da colméia. corri, prestes a perder o ônibus.te encontrei, recuperando o fôlego. bom-dia, foi aí que o perdi de vez.
você, definitivamente, não precisava ter se sentado ao meu lado, era manhã e as poltronas estavam vazias e as pessoas cheiravam a desodorante, café e protetor solar. você já - ou ainda - tempestuosa, impregnando tudo com seu perfume forte e seu cigarro de filtro branco. e seu sorriso irônico, como se soubesse cada vírgula que se passa na minha cabeça. à merda, por que me perguntou sobre o sumiço, então? uma pena essa sua ingenuidade fingida ser um charme a mais.
sumi porque eu, infelizmente, amo esse perfume forte, o cigarro de filtro branco, o sorriso irônico e esses olhos grandes, que me despem a cada piscada. e essa petulância, essa graça, esses vestidos transados e essa pinta no queixo. e eu quero que esse sentimento todo escoe pra bem longe de mim porque você sabe qual é a nossa.
sabe, mas se delicia ao desafiar o corolário das paixões sem nexo e sem sexo. seria um desastre. porque você só quer a si mesma e é tão ridicula que tem consciência disso e ainda insiste com palavras bonitas, e eu... eu te acho linda. e perigosa, e auto-destrutiva. vejo tudo isso quando você dá aquele seu sorriso. aquele que nem o padeiro, nem os bebês com os quais você se encanta na feira, nem sua mãe e muito menos o cara que está ridiculamente apaixonado por você ganham. talvez algum barman, na hora de aumentar a dose do seu martini, e eu. não é pretensão; eu o considero uma praga. porque não é sincero, é lindo e cativante, e é por puro interesse. inabalavelmente sedutor, e eu cerro meus dentes e peço força à deus pra não cair nessa. e é graças à ele que você não se lembra de quando, com todo o seu charme ébrio, segurou meu braço e recitou o indizível em poesia. nessa noite, cortei cada um de seus tentáculos com o meu desejo de manter você por perto assim, acobertada sob panos quentes e falando de amizade.
e tá tudo uma merda. eu queria perder a razão, e acordar com o cheiro do seu café pela manhã. e quebraríamos todas as xícaras em seguida, e nos odiaríamos e não haveria mais versos.
perder a razão, o rumo e as amarras, querida. e aprender a lidar com o desencanto. isso implica no desleixo da maquiagem borrada e das unhas por fazer deixarem de ser apaixonantes. não, não vale a pena. uma pena.