Óvulos

domingo, 26 de outubro de 2008

- Bom-dia, esposinhaaa!
- Bom-dia uma ova, Paulo. O almoço já tá quase pronto.
- Humm... minha esposinha cozinhando hoje, que delícia! Até que foi uma boa idéia dar folga pra Lurdinha aos sábados, né? Que cheiro bom, esp...
- Ah, pára de me chamar de esposinha! Que frescura é essa agora? Já são onze da manhã e já é quase novembro; natal tai e esse apartamento continua sem pintar! Olha só, essa janela descascando. E o senhor, só porque é sábado acha que pode acordar tarde assim. Tá vendo aquela batedeira ali? Quebrou hoje, a filha da puta... E falando nisso, sua mãe já tirou da cabeça aquela idéia da gente comprar uma casa com edícula no fundo pra ela morar lá, né? Pelo amor de deus, Paulo.
- Deus, ó Deus pai tão bom, do marido tão sereno... me diz, me diz porque a TPM existe! Amanda, meu doce... Mamãe disse no mesmo dia que ela tinha vontade de posar nua. Ela também não deve ter falado sério sobre a edícula. Agora vamos ver o que eu posso fazer com nossa querida batedeira.
- E desde quando você sabe consertar batedeira?
- Mas...mas... você não berr...digo, pediu pra que eu tentasse consertar?
- Hum. Mas vou querer uma nova se você quebrar essa de vez, hein.
- Tudo o que você quiser, tchutchuquinha. Docinho. Fofura.
- Mas você não percebeu ainda que eu não to pra graça hoje? Vai rapaz, tira essa mão daí senão vai tomar colherzada de pau na cabeça. Ai, Paulo... Nossa, agora não. Ai, ai... Não, pára...preciso mexer o molho.
- Toma, pra mulher mais bonita e encantadoramente brava desse prédio.
- Só do prédio?
- Do prédio, do bairro...
- É de coco, daqueles que eu gosto?
- Sim... da cidade, quiçá a mulher mais bonita desse mundo inteiro.
- Ah, amor! Assim eu fico encabulada... meu gatinho, meu pãozinho!




*
Há algum tempo, criei esse casal comum-pós-moderno-divertido-e-problemático-clichê. Bem, eles voltaram... e ganharam um marcador.

sobre a carne

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

o sol perdia suas escamas – não pela aproximação do final de um dia colorido, mas para a vigorosa energia que ela irradiava, indolentemente, deixando-o em intangível palidez.

aproveitava o silêncio para patinar no ritmo do acorde de um certo violonista, que lhe atiçou aquela malícia deliciosamente sutil. contornando a fonte em formato de ostra, lambia um sorvete de morango, deixando, de propósito, o creme cair em sua regata branca.

um acorde, dois acordes. virgínia, tingida de inocência, colocava os dedos da mão livre na boca, lambuzados e tingidos de azul. dilatava suas pupilas cristalinas num olhar virginal para o moço que atava suas pernas, cheio de desespero.

... que desesperadamente cantava uma música que acabara de compor para ela, em um tom simples e ingênuo; floreado de clichês e açúcar.

mas virgínia – que perdera a razão do nome há muito tempo – queria lascívia. estremecer de frente e por cima, agressiva e sem pudor; comer seu coração depois de gozar.

com passos de bailarina, disfarçava sua embriaguês, distribuindo timidez quando aceitou um alerta patético e receoso.

ao ouvi-lo, imediatamente ensaiou um deslize e, enquanto ele a ajudava se levantar, ela aproveitou para olhar com ingenuidade o meio de suas pernas tiritantes.

num quintal mal-iluminado, vírginia, triunfante, esparramou-se molhada pela chuva sob os pêlos e delírios de seu querido suicida; impregnada de loucura, e sustentada pelo seu vício


*florence, pra você.