Valsinha

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Seis horas da tarde. O dia já começava a se despedir quando, pontualmente, ela ouviu o portão rangendo, desafinado. Empertigou-se toda para esperar seu marido chegar, limpando as mãos no avental gasto.
Suspirou, mas não sabia ao certo de quê. Amava aquele homem, mas este já não trazia amor, e sim alguns problemas do trabalho. Um olhar cansado, tão cansado... e um quilo de qualquer coisa para o jantar.
Mas algo quebrou as vidraças de suas rotinas. Uma bola de futebol dos meninos do bairro?
Um lindo maço de rosas cor de champanhe.
- Ué, vamos comer flores hoje? - Disse, sorrindo de um jeito que há muito não sorria, e perguntando-se sobre a importância daquela quinta-feira.
E ele apenas devolveu o sorriso, de um jeito que há muito ela não via. Tomou-a nos braços. Num abraço.
De seu avental desfez o laço.
A olhava com desejo; com ternura. E com aqueles olhos rápidos de criança com brinquedo novo, como no começo do namoro.
Nada disseram.
Convidou-a para dançar. Ela ronronou entusiasmada, e correu para o quarto.
Voltou dentro de seus vinte e dois anos, lilás. Delicada, até pouco abaixo dos joelhos e... soberba. Ignorou o aroma entristecido do tempo, borrifando a colônia que nunca deixou de usar. Ele quis despedaçar todas as rosas para fazer seu chão, mas apenas a tomou pela mão. E dançaram, suspiraram, rodaram. E gritaram.
E compreenderam.
Correram para a rua, ainda aos sussurros e rodopios. A noite, recém-chegada, parou de cair para não perder o espetáculo... as estrelas que tiveram tempo de chegar assistiam fascinadas, abraçando-se umas às outras. As janelas da vizinhança se abriram, e o casal de namorados, a viúva aborrecida, a menina-moça rebelde, o padeiro, os gatos da tia solteira, a tia solteira, o seminarista, os vagabundos e a meretriz compreenderam.
E amanheceram em paz.