quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

- olha, me desculpa. Pelas certezas tão fugazes quanto às noites em que afogo meus cabelos no copo, e depois me preocupo com laquê, pomada, cremes, e lambuzo os lábios no espelho dizendo meu bem, não fique assim, não eu sei que não é nada eu te conheço há anos e já não deveria mais fazer isso com você mas faço então desculpa, olha, borrei todo o delineador, por que você não se levanta, toma um banho e esquece disso tudo? Mas eu já não adianto mais, eu-retrocesso, vou no meu passado à passos lentos e vou riscando todas as paredes com giz, não era pra ser assim não devia ter feito assim, e daí o quê? Daí que já foi, doçura, e eu vou fazer tudo de novo, de todos os jeitos que você puder imaginar, a mesma coisa. Sou a senhora das caras e bocas, das emoções insossas, dos corpos recicláveis mas não laváveis, e agora o quê? E agora um jato d’água que me empurra contra a parede, você realmente acha que eu calculo antes, que é por querer, que minha frieza é calculista? Valha-me o deus que você insiste em acreditar, na minha cabecinha macia feito carne maciamassada, eu tenho tudo aqui ó, lindo e idealizado. Segundo ato, posso te mostrar agora o segundo ato lindo e perfeito, im-pe-cá-vel do jeitinho que você sempre me quis, sóbria e saudável, de lágrimas secas e passo firme, sorriso simpático de manhã sonhei que todo mundo era feliz, bom dia, bom dia, sei fazer direitinho, não preciso ensaiar já vem treinado, quer ver? Aprendi lá fora. Então arreganha meus dentes pros seus amigos, olha como são brancos, sei discutir a mentira a partir do trompe l’oeil, sexualidade pra kinsey, freud e beauvouir, filosofia pra sócrates e pro bar, oi, quem foi rembrandt? Lembrandt, de mim chorosa e criança, mãe não quero ir, não mexe aqui porque pra mim nada é tão fácil assim, me deixa usar polainas em janeiro porque eu sinto um frio que não vem da rua? Me deixa fazer escândalo, espernear até quebrar todos os quadros, mastigar e cuspir livros e livros, dançar no teto com o aspirador de pó sem culpa nem pena nem dor nem remorso nem nada que me faça lembrar O TEMPO TODO que você está me olhando, que me aponta com unhas enormes como se quisesse me pôr na sétima casa, peão, amanhã já tá na oitava. Ai como eu quero, senhor, ir embora de tudo isso não você não pode ir ninguém pode nem eu posso, e agora? Talvez eu cultive um jardim, isso, flores bem coloridas, podem ter só 4 pétalas, pra não complicar, deixa eu chegar em casa sem ter de saber de você? Amanhã eu passo o café, deixo bilhete, não sei, compro brioche se não tem pão, te levo na cama e não reparo na sua bagunça, mas olha, me entende só um pouquinho que eu já me sinto à vontade pra ficar um pouco sozinha e acanhada, acordar triste em dia nublado, deixa meus dentes amarelarem, sem ter que lavar os cabelos com chá de camomila, pra dar dourado natural? Assim, pequena, confortável, talvez eu cultive tímidas violetas, que possam me encarar os olhos sem receio de desilusão, olha se eu fosse egocêntrica all the time eu não estaria te dizendo isso, entende? Eu me preocupo com você e não quero que você se preocupe tanto comigo em relação à você, ó, barquinho na enchorrada, dente-de-leão se esvaindo na brisa, hoje eu não volto pro jantar, vou comer lá fora porque eu nunca te disse mas eu não acredito em revolução armada nem desalmada, vermelho escorrendo nos punhos eu deixo isso tudo pra lá meu papel eu faço diferente eu quero fazer de verdade, hoje eu vou comer fritura e voltar com o peito inflado, eu não sou igual a você nem o que você gostaria de ser existe em mim, eu nem sei aonde eu to indo, olha, me desculpa por tudo isso, de verdade, porque se você achou tudo isso foi o meu primeiro ato, sujo e supérfluo, e a culpa é minha que comecei a protagonizar sem papel, nem caneta.

 

ps:- obrigada pela caneta.

1 comentários:

Indira disse...

haja culpa...!
acho até que o "obrigada" no final é um conforto pro coração.