Notas

domingo, 3 de abril de 2011

Domingos de chuva, convite pra olhar pra dentro. Me vem, insistente, o grande bordão materno, que sempre repito com uma gargalhada de quem crê na validade da sabedoria de quem não está até a garganta de clichés acadêmicos: “A rapadura é doce, mas não é mole”.

Foi o que me deu forças pra lançar um par de dados teto acima, e ir tomar um café antes de vê-los de volta ao chão, dupla de seis em cada esquina. Foi preciso lançar a cara no asfalto dessa distância, e lavá-la em álcool corrente, arder até as últimas consequências para, enfim, entender o que é a lacuna de uma vida em branco. O que é estar sujeito ao branco, e não confundir a falta de cor com o vazio; crer que a lenda dos monstros embaixo da cama e dos vampiros não é por acaso: há sempre uma bocarra aberta pronta pra te engolir com o arroto final da vaidade, seguida de um cenho de piedade, foi sem querer.

O caminho do bem é assumir a crueldade adormecida.

E não será hoje, nem amanhã, que assumiremos o que temos de mais sujo embaixo de nossas unhas. Cheirando a colônia, brincamos com os cachorros de rua por inveja : eles têm o direito de ter pulgas. Criança com piolho, pente fino; adultos que veem além do que é permitido, pente fino e indicador. O que me traz mais um bordão: quando você aponta pra alguém, há três dedos voltados contra você. Acreditar que o inferno é o outro conforta; não há imperfeição quando nos olhamos no espelho com a sombra do outro escurecendo um nariz adunco.

“Bem, não é o caminho do céu que nos leva através do inferno?”, refletiria Miller, fodendo sem preocupações. Não há bem, não há mal; o que existe é o maniqueísmo e a hipocrisia: a puta também é filha de alguém.

3 comentários:

Lorene Camargo disse...

"(...)e não confundir a falta de cor com o vazio".

...é a dita autopercepção de que a falta de cor, quem sabe, seja mais simples de solucionar do que o bom e velho de guerra 'vazio'. E o melhor é ver de perto isso acontecer com alguém que tanto cresceu, desde que a conheço. Você cresceu em 'pg'tanto literária quanto humanamente falando.

Erick Guerra disse...

Convite aceito, notas ouvidas e aplaudidas. A rapadura, as pulgas e as "putas" em um texto um marginal com a ousadia que muito pedem e pouco fazem.

Candy disse...

é bem mais triste que o meu!
mas, pra variar, você foi divina!