boas novas

quinta-feira, 28 de abril de 2011

- Dá um descanso – ela me disse. Abre bem as cortinas do seu quarto, porque o sol voltou mais forte e a folhagem tá nova. Eu sei que você ama jabuticabas, mas é impossível encontra-las nessa época do ano – quer dizer, você até vai achar, mas sabe como serão, né, pequenininhas e azedas, você já não torceu o nariz demais?

Fico aqui pensando em crianças que estão deixando de engatinhar, quando a mãe só faz pôr os objetos que quebram mais no alto, do mais, assistem o tombo com um sorriso divertido: - só dá certo desse jeito, querido. E de quando mergulhei até o fundo da piscina pela primeira vez, pressão nos ouvidos, não dá pra ficar aqui por muito tempo. Coisas assim, porres necessários; a gente não entende a ressaca de ninguém até acordar tremendo, bile afora, vou morrer em doze horas, no máximo. E, por deus, como vale a pena. Porque fé a gente só tem depois de desacreditar de tudo e achar que é isso aí mesmo, a terra vai comer seus olhos. Hoje, meus olhos são de terra. Fértil, do entendimento de que é preciso estar sozinho pra entender que somos todos uma coisa só. A individualidade de cada grão da Farinha do mesmo saco, tem riqueza maior que essa?

Precisei me acovardar, ganhar olheiras, rugas e pés-de-galinha, gastrite e enxaqueca, só faltou a artrite, me fazer de velha anciã, pra ver com olhos de velha anciã o quão ridiculamente nova eu ainda sou, não é hora de aprender crochê e sentar na poltrona revendo a vida toda até a morte chegar. Minha pele estica, meu coração vomita e minhas ideias fervem a fogo alto; a gente usa gírias pra falar de investimento libidinal, tá ligado? Eu tô ligada, dando choque, pés na terra, plantei mais uma árvore depois de ler mais um livro; o check-up fica pro ano que vem, hoje a gente desafia em tom de onipotência, saúde não tem muito a ver com boa alimentação. Porque a gente come muita coisa além do que vai pro nosso estômago, e não tem doce de leite com pimentão, namoradinho, pipoca doce nem heroína que preenche a fome de estar vivo; fico aqui pensando em casmurros que se acham traídos, quando tudo o que fazem é trair a si mesmos, afastando qualquer Capitu de suas vistas amargas.

E hoje eu te digo: Fica tranquila, tá? Meus olhos estão inchados, meu dedos, amarelos, mas tudo o que eu disse veio dos nós que eu tiro da minha garganta. Meu coração também é italiano, é grande e forte como o seu, e também tem o resto do mundo, porque eu já entendi que sou humana, que acho bonito estar sabendo que sou humana, mortal e limitada. Então, só me faz mais um daqueles banhos de alecrim e arruda, porque, antes de mais nada, eu sou bisneta, neta e filha de amazona. Todo va a estar bien.

4 comentários:

Caio disse...

“Porque fé a gente só tem depois de desacreditar de tudo e achar que é isso aí mesmo, a terra vai comer seus olhos.”

E viva toda a negação antes da aceitação… \o/ aeoihaeoiehaoaieh

Lindo lindo moça… como sempre… ^_____^

Anônimo disse...

Arruda, alecrim, uma pitada de sal grosso. Uma limpeza energética na pausa da jornada de se reconhecer humano.
Eita, bixinho complicado com uma poesia a altura disso. Se a referência é a você - Carol, ou, ao humano, ou ainda, a produção humana que você fez voz, fica ao teu cargo.
Beijos.
xD

Lô. disse...

...que bom pertencer a esse saco de farinha.

riquíssimo.

Insolente disse...

a juventude só desenha a mortalidade nuns traços rebuscados e irreais. A fome não deixa ver que a vida acaba porque é uma fome louca, que não tem fronteiras.