sexta-feira, 15 de abril de 2011

... continuando, eu já antevia essa hora chegar. A hora em que uma mão infantil te tira de fora do aquário, querido, põe de novo o peixinho aí dentro senão ele morre. Não, mãe, deixa ele ver onde ele vive de fora. E aí eu, peixe desafogado, me debato, por favor, me põe ali de novo, põe comida três vezes por dia, deixa eu achar que tá tudo no lugar porque o diâmetro é pequeno, o oxigênio dói nas narinas, se alastra pelas vísceras, meus irmãos não me dão nem bom dia, daqui de cima é tudo muito louco. Girino, peixe, borboleta que já tem asas mas ainda não sabe voar. Pelos deuses, me deixa ali mais um pouco, que história é essa de preconceito com dois L e Y?, tá tão frio e tá todo mundo dormindo ainda, são sete da manhã e eu to vendo gente com latinha na mão pra aguentar tudo isso porque papelão tá em falta. Quê desejo há de se sentar à mesa, quatro talheres diferentes, guardanapo no joelho e coluna ereta, sempre, às vezes, cotovelo não, nunca? Um, dois, três, sobe a infantaria de pulmão à postos, lobo mau, sopra o joio pra bem longe, deixa virar redemoinho de sujeira, porque a gente tem sabonete e carro na garagem. Então não me solta não, deixa a tua marca nas minhas asas, me mostra a cor das suas, segura bem forte na minha mão e mostra devagar porque eu já tô quase voltando a engatinhar, psicose nessas horas é luxo. E aí eu jogo as cartas, mão de coringas, é com você, é com você e o jogo nem dá sinal de acabar, desce mais uma cerveja e mastiga o relógio, tira a ideia de anjo da guarda da cabeça, porque eles já desistiram de prender Pandora, gargalhada alta reverberando nos quatro cantos da parede, E EU VOU FAZER O QUÊ, QUERIDA, TÔ É USANDO ROUPA SOCIAL, esfarelando em tempestade, segura que é um abismo e não tem volta.

2 comentários:

Insolente disse...

puta merda, você tá ficando cada vez melhor, e cada vez mais louca. As duas coisas andam juntas, hum?! E lúcida, vendo tudo assim de dentro, exato.

Lô. disse...

...Um peixe que se vê de fora do aquário mínimo, pequeno mundo cercado de água, afogando, agonizando por O2. Mas desprenda-se, solte-se da ilusão de que a mãe te colocará de regresso a esse mundo. Assumiu, agora aguenta a força, o peso e a angústia. Trabalha, chora, lida, escreve. Desaba e reergue-se. Peixe forte que é.