ressalvas

sábado, 18 de dezembro de 2010

- Então eu vou te dizer: foi egoísmo, do mais puro e do mais precioso. O porquê do sumiço, do silêncio e da sobriedade. Porque, simplesmente, eu não tenho (assim como, deliberadamente, não quero) nada a oferecer. Tem gente nesse mundo que só oferece porque quer receber de volta, e eu só não generalizo porque sei que você tem lá suas ideias marxistas ou idealistas, comunistas, e paro por aqui os adjetivos porque sarcasmo é maldição. Se já escrevi e vociferei na mesa do bar com fúria e revolta, se já produzi um milhão de páginas no meio de meio mar de vinho e de farinha, encarnei na ponta da caneta todas minhas dores, sinto, sinto lhe dizer... é o fim, rapaz, eu me sinto bem. Desconfundi o que todo aquele ímpeto juvenil confunde num entorpecimento sedutor, diria: a diferença, a ousadia, a mudança, a sensibilidade púrpura e definitiva no coração daqueles que não têm as próprias pernas como preocupação magistral... definitiva até que cheguem os 20, opacos e pesando em seus ossos como cem quilos de chumbo. Superei-os por muito tempo, você acompanhou e viu meu desespero frente ao primeiro grisalho, que significava acomodação e espera.
O que eu quero te dizer é que eu estou satisfeito e confortável; o mundo perdeu um trovador e ganhou, quem sab... quer saber? Ganhou um grande covarde, olha, eu sinto medo pra caralho, eu tenho uma casa um filho e um seguro, e é isso? Eu queria poder estar fodendo para as minhas pernas, olha pra você, rosado e com o mundo maior que os metros quadrados dessa chácara, eu te invejo, eu te invejo. A gente aprende a duvidar, duvida, daí finge que entende tudo pra não pôr a coisa toda de pernas pro ar. Dentro da gente, eu falo... a gente finge que entende, finge que aceita, finge que é inevitável e enche o peito pra falar de ordem e de respeito; finge que ama quando estamos desesperantemente sozinhos e famintos, disfarça alívio quando o dia é curto, e a próxima fase? A próxima fase é encher o peito pra desacreditar de tudo, assumir que fingiu sentido nas coisas e fingiu acreditar no amor, que fingiu sabedoria quando na verdade você se transformou num animalzinho bobo e assustado, eu não queria estar te dizendo isso agora, mas quero que você veja, veja o quanto estou sendo hipócrita e contraditório com todo esse discurso, isso não é lindo?
Não, não sinta e não diga que isso vai passar, olha aqui, eu acho lindo de verdade essa raça toda acreditando em mentiras a vida toda, sabe por quê? Porque enquanto a gente desfaz os enganos, e desfazemos mesmo, não ficamos céticos nem niilistas: eu vejo na ruga de muita gente uma coisa grande que não é espera, nem esperança e nem conformismo de quem já não se surpreende mais, eu vejo uma fé alegre e sincera, simples e cúmplice com o resto do mundo, pronto para desfazer qualquer tentativa vã de esmiuçar qualquer significado. É aí que meu discurso se perde para sempre, e se torna desnecessário, e é por isso que eu continuo a falar, pra você ver bem de perto que, perto da gente, gota no oceano e grão de areia carregam muito mais do que jamais poderemos adivinhar.

3 comentários:

Insolente disse...

não, não diga que vai passar, pq não é verdade. mas se tem uma coisa que me deixa encafifada é...pq a gente precisa tanto da verdade?

indira disse...

visceral, como sempre. esse foi dilacerado...!

"o mundo perdeu um trovador e ganhou, quem sab... quer saber? Ganhou um grande covarde, olha, eu sinto medo pra caralho (...) eu te invejo, eu te invejo".


genial o reconhecimento

Yuri disse...

A Verdade depende do ponto de vista de quem a vê, era verdade que alguem existiu, se esse morreu a verde se transforma em mentira... logo, talvez a verdade sempre tenha sido uma mentira... ou até esse comentário e esse texto é uma mentira.
verdade seja dita medo é que é uma grande mentira...